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Água, vida que escorre pelas mãos.

                             São as águas de março fechando o verão.

                                     É a promessa de vida no teu coração

                                                                                 Tom Jobim

 

Dia 22 de março é o dia mundial da água. O Brasil tem o privilégio de ser uma das poucas regiões do mundo com enorme superávit desse bem, essencial à vida, que constitui cerca de 70% do corpo humano.

 

A Estância Turística de Piraju tem como seu maior patrimônio o rio Paranapanema, o menos poluído do Estado de São Paulo. O rio propicia gratuitamente aos privilegiados moradores de seu entorno inúmeros serviços ambientais que por vezes passam despercebidos, mas que têm um valor inestimável à saúde e bem-estar da comunidade.

 

A universalização do acesso à água é um dos maiores desafios mundiais, as dimensões do problema são descomunais: 17% da população mundial não possui acesso à água potável, 40% não tem saneamento básico e 1 bilhão de pessoas ainda faz as suas necessidades fisiológicas a céu aberto.

 

A água deixou de ser um produto comum, sem preço, disponível como direito humano fundamental, princípio estabelecido pela ONU em 2010. A partir da década de 1980, a política da água formatou-se sob o princípio de um bem econômico de mercado, uma mercadoria precificada do comércio, com demanda garantida por grandes empresas.

 

A sensação de infinitude e abundância da água esconde uma realidade transparente: o grande problema do ser humano é a ausência de água e o maior problema da água é a presença próxima de si do ser humano irracional.

 

Descuido progressivo

 

As civilizações humanas desenvolveram-se junto aos cursos de água, afinal água é vida, o início de todas as coisas. O privilégio de uma vista idílica é uma armadilha muito atraente, pois numa fração de tempo cada vez mais curta aciona-se a bomba relógio ambiental da crônica de uma tragédia anunciada.

 

Investe-se em escala mundial R$ 1 para prevenção contra R$ 25 a R$ 30 para obras de reconstrução pós tragédia - um completo disparate. Os prejuízos materiais e humanos causados por fenômenos naturais se intensificam. As causas principais são por demais conhecidas: aumento geométrico da população, ocupação desordenada, intenso processo de urbanização e industrialização, descaso de autoridades públicas.

 

Ocupar várzeas de cursos de água como se fosse o quintal de casa é um sonho de consumo por todo o mundo. Os rios e córregos, por conta da urbanização crescente perdem seus traçados sinuosos originais e tornam-se artificialmente retilíneos e assoreados. Suas margens, outrora repletas de mata ciliar, são tomadas pela impermeabilidade humana.

 

Nas áreas urbanas, entre os principais fatores que potencializam desastres naturais, destacam-se a impermeabilização de solos, o adensamento de construções, a conservação de calor nas ilhas construtivas e a poluição do ar. Nas áreas rurais, pode-se citar a compactação dos solos, o assoreamento dos rios, os desmatamentos e as queimadas.

 

O estado de anomia pública reflete a ausência de planejamento de longo prazo na forma de ocupação do solo e no gerenciamento das bacias hidrográficas, cenário que só tende a potencializar desastres naturais e conflitos por disputa do ouro azul.

 

O volume de água no planeta é constante (1386 milhões de km3), quantidade atingida há dois bilhões de anos atrás e assim tem permanecido. Ocorrem mudanças no estado da água, mas a quantidade total não se altera. A mesma quantidade evapora de rios e oceanos (que contribuem com 98% do vapor), retorna ao estado líquido nas chuvas, abastece os reservatórios, infiltra-se em lençóis subterrâneos e fica armazenada nas geleiras.

 

Segundo a ONU, a agropecuária utiliza 69% da extração de água doce no planeta; a indústria, 22%; e as residências, 9%. No Brasil a agricultura consome 61% de sua água doce (54% na irrigação; 6% em bebedouros de animais; e 1% em residências rurais), as residências 27%; e a indústria 12%.

 

O ser humano consome de 2 a 4 litros de água por dia, já considerando a água contida em sucos e outras bebidas. Alguns países usam menos de 10 litros de água por pessoa ao dia: Gâmbia usa 4,5; Mali, 8; Somália, 8,9; e Moçambique, 9,3. A ONU estabelece como volume ideal 110 litros de água por pessoa por dia. No Brasil, usam-se 159 litros.

 

Em contrapartida, o cidadão de classe média dos Estados Unidos usa 600 litros de água por dia (na Califórnia, 4,1 mil litros), e o britânico, 110 litros. Brasil, Rússia, China e Canadá são os privilegiados países que, praticamente, controlam as reservas mundiais de água.

 

Preservar o ouro azul

 

Apesar de inúmeras ações de uso mais racional de água, o desperdício é assustador. No mundo o índice de perdas de água aproxima-se de 15%. No Brasil, as perdas são de 40% entre o que se produz e o que se cobra, motivadas, principalmente, por ligações clandestinas e vazamentos em tubulações. E o país não possui normas de construção que permitam às casas e aos edifícios economizarem água, nem campanhas educativas perenes que premiem a redução de consumo.

 

Enquanto Tóquio apresenta índices invejáveis de perda de apenas 2% por problemas com tubulação, na grande São Paulo os índices remontam a 19% da água tratada, percentual registrado pela capital japonesa em 1964. No mundo, esse índice de perdas aproxima-se de 15%.

 

Caso se adicione a esse indicador os furtos, inexistentes em Tóquio, a perda em São Paulo alcança 30%. A principal causa das perdas em São Paulo é o envelhecimento das tubulações, com idade média de 33 anos e registros precários de localização.

 

Cidades que possuem infraestrutura antiga, a exemplo de Londres, Hong Kong e Chicago o desperdício está entre 20% e 30%. Já Nova York, que tem manutenção eficiente de instalações, as perdas ficam em 10%. Cingapura com estrutura nova e correta manutenção desperdiça somete 5% de água.

 

Na Alemanha, país que melhor gerencia seus recursos hídricos, as perdas médias são de 8%. Na Suíça, o índice é de 9%, o qual se aproxima à taxa natural admissível. No Japão, as perdas são de 6%. Na França, que abriga as maiores empresas multinacionais privadas de distribuição de água, a média das perdas é de 25 a 35%.

 

A água é uma questão central na economia de qualquer país. A segurança hídrica é um tema estruturante que tem de estar presente como protagonista em quaisquer pautas de agendas políticas, não só na área de economia ambiental ou social, mas na articulação e desenvolvimento da própria sociedade.

 

A comunidade pirajuense desenvolveu, ao longo de décadas, uma cultura de conscientização da importância de se cuidar do seu maior patrimônio todos os dias do ano, pois, sabe-se que a água é um recurso cada vez mais escasso e raro.

 

Apesar de ter um volume constante, a água torna-se progressivamente limitada, tanto de forma local como global, por não ser sempre potável e não estar sempre disponível no local do consumo.

 

A disponibilidade global da água doce per capita vai cair de forma constante, pelos efeitos colaterais da crescente urbanização, do aumento populacional, das mudanças climáticas e do aquecimento do planeta. Os regimes hídricos sofrem bruscas alterações com chuvas intempestivas, seguidas de veranicos, menores volumes de água e maiores volumes de poluentes.

 

A ONU prevê que, em 2025, aproximadamente 3 bilhões de pessoas estarão vivendo em zonas de escassez de água. Essa situação só tende a se agravar pelas mudanças climáticas. Estudiosos de hidrologia afirmam que a precaução deve pautar todos os projetos na área, pois, a pior estiagem ou chuva sempre está sempre por vir.

 

A base da teoria econômica alicerçou-se em parâmetros de um mundo vazio, com recursos naturais abundantes e baixa escala de uso de energia e materiais. Atualmente o mundo está cheio e com recursos naturais cada vez mais escassos. Essa nova economia exige uma completa reordenação de valores.

 

No caso da água, em especial a lição de casa clama por implantar processos de economia, reflorestar nascentes e encostas de cursos d’água, evitar quaisquer formas de poluição e intensificar processos de reciclagem e reutilização.

 

A água é a “mãe da vida”, bem abundante e gratuito do passado, que se transformou em mercadoria estratégica na complexa geopolítica entre nações em busca de segurança hídrica. Em 1979, Anwar el-Sadat, então presidente do Egito, profetizava que o único assunto que poderia levar o Egito à guerra seria a água. Deixá-la escapar pelas mãos pode significar nossa extinção!